domingo, maio 30, 2010

Belvedere Bruno entrevista Leila Míccolis



 1 - Leila, eu sei que além da literatura, do teatro e dos roteiros de televisão, você é Mestre em Teoria Literária, desde 2004, ou seja, depois de já bastante conhecida no meio artístico e literário. Por quê isso?

LM - Gosto de aprender sempre, e me foi muito gratificante fazer um curso de pós-graduação em um momento em que as pessoas já começam a planejar seu futuro, resumindo aos planos de aposentaria... No entanto, o motivo mais forte que me levou novamente à UFRJ, em Letras, depois de eu ter feito meu bacharelado em Direito (e exercido a profissão por dez anos), foi o fato de eu ser contratada como professora toda vez que alguma Secretaria de Cultura me chamava para dar uma palestra de literatura ou um curso de teledramaturgia. Não há profissão mais próxima, uma vez que escritor e dramaturgo não são profissões legalizadas no Brasil (em pleno século XXI). Cansei de levar fama e proveito sem, efetivamente, ser professora. E parti para o Mestrado e o Doutorado em Letras. Agora posso sem contratada como professora, sem subterfúgios, pois o sou de fato e de direito...


2 - Você acha que poesia se aprende na escola?

LM - Acho sim. Em minha opinião, a vida ensina muita coisa, inclusive a perceber a poesia... Porém,  poesia escrita, que necessita de leitura e criação literária, aprende-se em escolas (ou deveria aprender-se, melhor dizendo). A poesia enquanto processo criativo prende-se a regras, a estilos e, ignorá-los, é no mínimo, ironicamente, uma enorme limitação em nome do ideal romântico de "liberdade total criadora". Esta liberdade incondicional é ilusória: não se comprometer em ter estilo é também uma forma de tê-lo. Teoria e prática formam um todo único e não um binômio como tenta nos fazer crer nossa cultura ocidental, dicotômica e maniqueísta. Aliás, a Poética, enquanto Filosofia, tenta justamente romper com esta visão bipartida de mundo, que forja um antagonismo irreal.


3 - Como é uma Academia de Letras Universitária?

LM - Como toda Academia de Letras, ela é mais voltada para o conhecimento e o estudo de escritores já consagrados de nossa literatura (aliás, no ensino fundamental também). Nada contra, acho importante este exame mais aprofundado, principalmente nos cursos de Pós-Graduações; no entanto, o que me parece pouco animador é ficarmos analisando apenas esses autores, sem explorarmos outros escritores que ainda não têm o reconhecimento oficial de sua obra.


4 - O curso de Letras incentiva a criatividade dos alunos?

LM - Não necessariamente. Em verdade, o ensino tradicional pouco incentiva a criatividade. Quem espera dele um suporte para desenvolver seu processo criativo, decepciona-se; mas quem não vai com esta expectativa, pode tirar melhor proveito de uma Faculdade de Letras. De qualquer modo, sugiro que faça um curso lato sensu de teledramaturgia, por exemplo... Ou oficinas de criação literária, paralelamente.


5 - Seu Mestrado e agora seu Doutorado influenciaram sua literatura ou seu ensino? 

LM - Sem dúvida. Além de me ampliarem infinitamente os horizontes teóricos, inclusive pondo a par do pensamento críticos mais recentes (oferecendo-me então um maior embasamento), deram-me também uma metodologia de ensino que eu só tinha intuitiva e embrionariamente. Sinto agora meu campo de ação
muito mais abrangente.

6 - Como incutir nos jovens a vontade de ler poesia?

LM - É bem mais difícil se já se chega à juventude sem vontade de ler poesia... Caberia ao ensino fundamental plantar esta semente. Aliás, há um livro excelente da poeta portuguesa (professora também) Teresa Guedes, chamado Ensinar a Poesia, que mostra como, com extrema ludicidade, a poesia pode ser apresentada às crianças. Porém mesmo que nossa escola de primeiro grau não cumpra esta tarefa, creio que o ensino médio pode fazê-lo sim, desde que mostre aos jovens uma poesia mais condizente com seus anseios e necessidades. Não se trata de convencer os alunos a gostarem de poesia, autoritariamente, mas a direcioná-los neste sentido, introduzindo autores atuais que falem uma linguagem e tenham uma visão mais próxima de seu universo. E, neste sentido, os poetas da "Geração 70", por exemplo, por suas temáticas e suas falas coloquiais levam grande vantagem na abertura deste diálogo.  


7 - As Dissertações e Teses acadêmicas, em geral, acabam circulando apenas por um público restrito. No seu entender, já que apresentam uma contribuição tão importante para nossas letras, por que há tão pouco interesse na publicação desse material?

LM - Em primeiro lugar porque, em geral, depois de tantos anos dedicando-se às suas respectivas Dissertações e Teses, seus autores não têm muita disposição para passar ainda mais uns meses transformando-as em um livro que vai "desarrumar" todo o texto escrito com tanto cuidado. É difícil e demorado este processo adaptativo de Dissertação ou Tese acadêmica para uma obra aberta a uma maior faixa maior de leitores. Sei por experiência própria: minha Dissertação de Mestrado - "A questão taxinômica do poema dramático através de Calabar, de Lêdo Ivo" - foi transformada no livro "Passagem de Calabar - uma análise do poema dramático de Lêdo Ivo", publicado em 2009 e coeditado pela Academia Brasileira de Letras e pela Topbooks. Garanto-lhe que foi bastante difícil fazer esta adaptação, que se constituiu, basicamente, em tirar os plurais majestáticos, em diminuir drasticamente as citações, sem prejuízo do entendimento da idéia central e em deixar a linguagem mais informal, também sem enfraquecer a orientação teórica dentro da temática proposta.
Em segundo lugar, porque ainda há um preconceito muito grande por parte das editoras em publicar trabalhos acadêmicos - exceto as editoras especializadas nesta linha editorial - por considerarem que, ironicamente, são textos sem literariedade, mais voltados para uma elite intelectualizada e não para leitores "leigos". Sem meias-palavras: obras enfadonhas, nada mais nada menos. Creio que esta visão só reforça o que mencionei há pouco: é indispensável que o autor se disponha a fazer esta mudança da obra acadêmica para uma obra não-acadêmica, a fim de torná-la uma publicação convidativa e atraente para leitores interessados em literatura, acabando-se com este pecha de que trabalho acadêmico é sempre cansativo e desinteressante. Seria ótimo se mais pessoas tivessem acesso a estas novas idéias e novas visões de mundo, e que estes textos fossem mais valorizados do que o são atualmente, conquistando o direito de pelo menos chegarem às livrarias.
  

8 - A TV deseduca?
LM - Não necessariamente... Ela pode ser um veículo de diálogo e de debate entre pais e filhos, por exemplo, diminuindo distâncias entre duas gerações e fazendo com que ambas se entendam melhor. O problema é que, se os pais vêem programas que não proporcionam nenhuma espécie de comentário, os filhos seguirão este exemplo dos adultos e vão enveredar pelo mesmo caminho. Costumo dizer que, se realmente todos os ferrenhos contestadores da televisão quisessem melhorar o "padrão de qualidade", a TV Futura seria a emissora mais assistida no país.


9 - Você dá aulas de roteiro de TV on line. Você não acha que as aulas à distância são menos produtivas do que as presenciais?

LM - Não acho não. A aula presencial nem sempre é mais produtiva; depende muito da postura do aluno dentro da sala de aula: se estiver cansado, disperso ou com sono, não aproveitará a presença do professor, e ainda por cima o desestimulará. Por sua vez, os cursos on line dependem muito da atuação do ministrante, para que não se tornem superficiais ou desorganizados. Pesando os prós e os contras, sou fã incondicional de cursos à distância, em que não só é respeitado mais o ritmo do próprio aluno, como também lhe dá a vantagem dele não precisar sair de casa, podendo estudar com mais conforto, segurança e economia.


10 - O que é melhor: literatura ou magistério?

LM - Mesmo sendo duas atividades diversas, no meu caso Letras tem tudo a ver com literatura, são indissociáveis. Então não há melhor ou pior, porque não são duas opções inteiramente dissociadas: no fundo, ambas acabam sendo segmentos de uma mesma reta, ou melhor, de um único projeto de vida.


Leila Míccolis*
[Carioca, 30 livros editados (poesia e prosa), obras publicadas na França, México, Colômbia, África, Estados Unidos e Portugal, teatróloga, roteirista de cinema e escritora de novelas de tv, entre elas: “Kananga do Japão”, “Barriga de Aluguel” e “Mandacaru”. Elaborou verbetes para a “Enciclopédia de Literatura Brasileira” (MEC/OLAC) e também publicou: “Catálogo da Imprensa Alternativa”, 1986, pela RioArte/Prefeitª do RJ. Publicada na Revista Poesia Sempre (Biblioteca Nacional/MEC), consta do Banco de Dados Informatizados do Banco Itaú - Módulo Literatura Brasileira, Setor Poesia (categoria: “Tendências Contemporâneas”) e dos “Cadernos Poesia Brasileira” - vol. 4, “Poesia Contemporânea”, editado pela mesma instituição, 1997. Sua obra é citada e analisada por escritores como: Affonso Romano de Sant’Anna (Ed. Vozes/1978), Glauco Mattoso (Ed. Brasiliense/1981), Jair Ferreira dos Santos (idem/1986), Assis Brasil (Ed. Imago/FBN/UMC, 1998). Co-edita Blocos, com Urhacy Faustino, revista impressa e eletrônica.]

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