quarta-feira, setembro 01, 2010


Entrevista do Professor Roberto Kahlmeyer-Mertens concedida à escritora e jornalista Belvedere Bruno.


“Conversações com intelectuais fluminenses”:
livro evidencia capítulo da inteligência no estado do Rio de Janeiro


Roberto (Saraiva) Kahlmeyer-Mertens. Nascido em Niterói, em 1972. Professor e ensaísta. Bacharel, Mestre e Doutor em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ. Leciona filosofia em diversas instituições de ensino superior em nível de graduação e pós-graduação. Membro da Academia Brasileira de Literatura – ABDL, Cenáculo Fluminense de História e Letras, Academia Niteroiense de Letras – ANL. Autor de: Filosofia primeira – Estudos sobre Heidegger e outros autores (2005), Tempo e caminho (2006), Linguagem e método. (2007), Verdade-Metafísica-Poesia (2007), Heidegger & a Educação (2008), Opúsculos (2008), Fenomenologia do haicai (2010), Conversações com intelectuais fluminenses (2010).



Por que chamar o livro de conversações?

Acho mais simpático pensar o livro como um feixe de conversas, ao invés de considerar o que há em seu conteúdo como apenas entrevistas; até porque, o livro foge do formato jornalístico, não possuindo caráter informativo. É um livro de conversas, de conversações que registram traços da formação das personalidades que ali constam, documentando sua interface pública, ideias e engajamentos e, em alguns casos, os resultados de suas pesquisas, temas cuja leitura pode interessar tanto ao leitor leigo quanto aos acadêmicos. Essas conversações foram captadas da maneira o mais espontânea possível. Daí o entrevistado interagir comigo de modo informal e livre. Tal espontaneidade, somada à pluralidade de perfis intelectuais, foi responsável pela estruturação simples do livro, que se absteve de agrupar os entrevistados em categorias ou de fazer classificações. Entendemos que, com isso, obtemos a forma adequada para esta interessante matéria.

O que o motivou a organizar um livro de entrevistas com intelectuais fluminenses?

Esse tipo de publicação é mais comum do que se pensa fora do Brasil. Há alguns anos, o jornal francês Le Monde reuniu entrevistas colhidas durante a década de 1980 e publicou-as em compêndios temáticos. Em nosso caso, o livro surgiu da necessidade de registrar um cenário intelectual em um momento especial para o Estado do Rio, um momento no qual (depois da fusão com o Estado da Guanabara) se volta a perguntar o que significa ser fluminense. Buscamos, então, ter uma imagem da identidade, da inteligência e do que se chamamos “cultura fluminense”. Tal proposta se coadunou a muitos dos pontos do projeto político editorial da Nitpress, o que fez com que seu publisher Luiz Augusto Erthal a “comprasse” sem hesitar. Achamos, assim, que a temática da identidade fluminense seria algo possível de ser colocada a partir da retomada de uma pergunta já feita por muitos, mas que continua sem uma resposta cabal, a pergunta sobre o que significa ser intelectual. 

Em um universo tão variado, por que exatamente os intelectuais?

É verdade, poderíamos ter nos ocupado dos políticos profissionais, dos empresários ou de qualquer outra categoria com representatividade pública. No entanto, buscamos esses que tratamos genericamente por intelectuais por acreditar que eles possam nos fornecer uma imagem mais lúcida do nosso momento sócio-político-cultural. Os intelectuais, no meu entender são aqueles que encabeçam muitas das transformações sociais. Nesses casos, ouvi-los é imprescindível, se posso julgar.

Que entendimento você tem de intelectual?

É um conceito de grande envergadura, e pelo que pude perceber não existe “O intelectual”, mas intelectuais. O que chegou como uma impressão, logo virou certeza por meio da leitura de teóricos que exploraram o tema mais a fundo. Daí, termos Gramsci falando do intelectual engajado, representante de uma classe social; Foucault indicando o intelectual específico, geralmente um erudito que se ocupa de questões mais acadêmicas sem ter militância... Se um perfil, ainda que pálido, pode ser traçado a partir de pontos comuns entre todos esses, diria que intelectual é todo possuidor de habilidades e competências específicas, que normalmente reverte o benefício de seu mister à sociedade, mas não só isso, é também aquele que defende intransigentemente o direito da sociedade de desfrutar desses benefícios. Um intelectual é uma figura sobre a qual recaem grandes responsabilidades: não é um título, mas a aquisição de um rol de tarefas.

Todos os presentes no livro são necessariamente intelectuais? Quer dizer, correspondem a este perfil?

Como disse, existem intelectuais e não “O intelectual”. Talvez apenas uma leitura do livro responda esta pergunta (risos).

Vemos no livro diversos personagens que não são fluminenses de nascimento, como isso se explica?

Isso foi algo que definimos como critério de seleção dos participantes de nosso livro. Entendemos que ao tratarmos de intelectuais não poderíamos nos restringir apenas àqueles nasceram no Estado do Rio de Janeiro. Existem muitos nascidos em outros estados e que, radicados no RJ, desenvolveram, por décadas, trabalhos de grande relevância. É o caso de um Leonardo Boff, de Ciro Flamarion Cardoso, Célia Linhares e, ainda, Israel Pedrosa. Não poderíamos descartar essas contribuições sem que nos pesasse a má consciência de estarmos pecando com um provincianismo. Provincianismo foi um vício contra o qual muito nos acautelamos nesta organização.

O livro possui entrevistas com personalidades que mais que apenas fluminenses já são nomes de representatividade nacional (como os nomes que você lembrou) e com outros que podem ser considerados “obscuros”, isso foi intencional?

Sim. Houve a preocupação em mostrar que a excelência de um trabalho intelectual nem sempre recebe a atenção da mídia. Do mesmo, nem toda atuação intelectual está ligada a graus e titulações. Existe gente que traz relevantes contribuições sociais sem fazer alarde; tem muita gente que faz bom uso das ideias em domínio público e que se mobilizada junto a sua comunidade e que nem por isso é filiada às altas esferas acadêmicas ou desfruta de erudições. Ao entrevistar os célebres e os obscuros, como você diz, pretendemos destacar igualmente o que ambos têm a dizer. Neste caso, pouco importa a idade, sua classe, seu credo, sua etnia, seu sexo ou orientação sexual, é a contribuição cultural à sociedade o determinante.

Mas, ainda assim, muitos intelectuais ficaram de fora.

Certamente. Costumo lamentar que este livro tenha chegado tarde para alguns que partiram cedo. Tinha muita vontade de ter registrado uma entrevista com Alberto Torres, Antônio Callado, Jacy Pacheco, José Cândido de Carvalho, Geraldo Bezerra de Menezes, Antônio Carlos Villaça, Rubens Falcão, Geir Campos, José Eduardo Pizarro Drummond... além de alguns de meus professores queridos: Cláudio Ulpiano, José Américo Motta Pessanha e Fayga Ostrower. Quanto aos vivos, já estou selecionando nomes para dar destaque em um segundo volume do livro.

Quais são suas expectativas para com a obra, depois de lançada?

A de que o livro nos proporcionará um instante feliz... Julgo, que o maior serviço que este livro pode trazer, mais até que a difusão do “fait divers” a qual ele se presta, é fomentar a reflexão e o debate sobre como conjugar identidade, cultura e sociedade de maneira esclarecida.

A obra terá um pré-lançamento agora em 14 de outubro de 2010. Esta premiere deverá acontecer na Câmara Municipal de Niterói. O lançamento, propriamente dito, será na Livraria da Travessa da rua do Ouvidor, no RJ, e tem data estimada para novembro.

 [Belvedere Bruno Colunista de Literacia]
 Retornar...

Nenhum comentário:

Postar um comentário