sábado, dezembro 04, 2010

Belvedere Bruno entrevista Artur da Távola

[in memoriam]

Quando convidada a entrevistar Artur da Távola, senti grande satisfação, principalmente pela oportunidade de mostrar na internet este exemplo de homem público .Advogado, jornalista, radialista, escritor e professor, Artur da Távola sempre teve postura ética admirável, obtendo, assim, o respeito de todos que acompanham sua brilhante trajetória.


1 -As gerações mais novas não conhecem sua história. Partindo de sua eleição como deputado constituinte em 1960, aos 24 anos, poderia nos dizer como isso influenciou a sua vida?
Deveras! Sempre me dividi entre o político e o escritor em um País com larga faixa de injustiça social. Sofri com essa divisão e sofro até hoje mas para sintetizar, sinto a política como dever (que cumpri) e a literatura como vocação, atrás da qual vivo a correr sem a alcançar em plenitude, jamais.

2- Quando e como Paulo Alberto Moretzsohn Monteiro de Barros tornou-se Artur da Távola?
Foi durante a ditadura. Voltando prematuramente do exílio, estava já de volta, quando estourou o golpe dentro do golpe, em 1968. O Diretor do jornal no qual trabalhava (Samuel Wainer, também cassado politicamente) aconselhou-me a não mais assinar as matérias com meu nome, Paulo Alberto e encontrar um pseudônimo. No mesmo instante veio-me à mente, como já estivesse decidido havia milênios (embora jamais houvesse pensado nisso) o nome Artur da Távola que grudou tanto em mim que hoje é heterônimo e não mais pseudônimo.

3 - Qual a grande lição obtida através de seu exílio?
Aprofundar o meu conceito de democracia que me fez sair de um socialismo um tanto ingênuo e penetrar na social-democracia. O outro sentido foi o de verificar o quanto amo este País. E o terceiro foi aprender o significado real da palavra saudade.

4-O senhor atuou no jornalismo televisivo por quase vinte anos. Como era o processo na época e como vê a televisão nos dias atuais?
A televisão é uma caixa de contrastes. Na parte noticiosa cada vez melhor como amplitude de cobertura embora a trocar notícia como informação por notícia como espetáculo ou entretenimento. Aliás vivemos a era do entretenimento e do espetáculo. Cada vez é menor o espaço para o debate de idéias. Inclusive na política. Na parte de teledramaturgia é bastante desenvolvida. Fraca na programação infantil e nos canais de baixa audiência é uma lamentável exploração do grotesco e de anormal.

5--Sua carreira como cronista em diversos jornais tem sido rica em termos de produção. Poderia nos dizer quantas crônicas já escreveu?
Cerca de sete mil. Fiz esta conta pelos anos e não uma a uma. Adoro a crônica como gênero literário e seus não-limites.

6 - Quantos livros já publicou? Por que sendo um autor tão querido, há tanto tempo não vemos um lançamento seu?
Vinte e dois impressos, e um "e-livro" recentemente lançado. Os 16 anos de parlamento e a política atrapalharam a minha literatura e as editoras de meus livros mais recentes os distribuíram muito mal. Livro mal distribuído é livro que não se lê. Por isso tenho me voltado para a Internet. Pode não ter repercussão intelectual, mas se dissemina, chega aos jovens e fica para o futuro como ato de gratuidade como o é a vocação de escrever. Mas de todos modos, livro é sempre livro. Estou com quatro prontos e ainda não procurei editor.

7- Sendo o rádio uma de suas paixões, pode nos falar sobre os programas que apresenta direcionados a música clássica?
Rádio é literatura oral que pode ser da melhor qualidade. Amo o rádio. Escrevo programas de música erudita e de música popular. E eu mesmo os
apresento pois comecei a trabalhar em rádio há 49 anos, tenho prática de narração e minha voz não é feia. Posso dizer que conheço o ofício. E ademais levar música ao próximo é levar o bem, a universalidade, a paz, o consolo, a cultura, Vou arriscar um possível absurdo: o rádio, isto é o áudio, é a mídia não do passado mas do futuro a partir da miniaturização e da nanotecnologia.

8 - Tem algum projeto literário em andamento?
Vários. O que me falta é tempo para impulsionar pelo menos cinco desses projetos, pois tenho que trabalhar para o sustento de minha família. Em 2004 fez 50 anos que trabalho. Deu-me isso motivo para fundo agradecimento ao Mistério que nos guia por meio de insondáveis mas perceptíveis desígnios, e uma felicidade interior que me faz, bem, ilumina e dá disposição.

9 -Na sua opinião, qual é o legado de sua geração?
Lutar pela democracia no Brasil. Acho que vencemos.

10 - Deixe uma mensagem aos leitores.
Não peça opiniões acerca do que escreve. A angústia sobre o próprio trabalho é a matéria prima do mesmo. Só ela o impulsiona. Consultar é desorientar a bússola do "si mesmo" (o "self" Junguiano), essa instância única e original que levamos dentro. Em vez de consultar alguém sobre o seu valor, leia, leia muito. Aprenderá por si mesmo, conseguindo assim ter um estilo, que é, de tudo, o mais difícil. Sugiro também fugir dos adjetivos, dos chavões e do excesso de "que" e de "eu" nos textos.


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Em torno da saudade



A Artur da Távola - in memoriam

Belvedere Bruno

Naquele estado entre a vigília e o sono, entrevi  seu sorriso, e senti-me envolvida por um suave estremecer. Pensei que seria bom enviar-lhe meu último conto, O homem e as flores. Não havia, não sei por que motivo,partilhado com ele a emoção daquele texto curto e um tanto inusitado. Sabia, no entanto, que ele teria gostado. Saindo daquele estranho torpor, despertei. Vi-me, então, frente à realidade, e   uma tristeza indescritível tomou conta de mim.  Nunca mais  ele voltaria a ler, a comentar meus textos,
a fazer sugestões e a trocar idéias sobre eles. Era uma amizade   sincera , que sempre prescindira de comentários e alaridos  em torno dela. Não fui pega de surpresa com sua partida. Nos últimos tempos, havia silêncio. Mensagens  monossilábicas me soavam como ritos de despedida.É difícil preparar-se para um desfecho triste. Dói. Mas nada se  compara à dor da certeza de que tudo realmente  acabou.
Deixei que o tempo passasse,  e agora , aquietada , posso  falar sobre a falta que ele  me  faz.
Dizem que ninguém é insubstituível. Discordo, já que todos são diferentes, têm as suas particularidades: uns, quase perfeitos, e outros, adoráveis por seus defeitos.
 Tive a  grata oportunidade de entrevistar Artur da Távola no ano de 2005, e marcou-me, de forma indelével, a resposta que dera em relação à grande lição obtida através de seu exílio. Transcrevo suas palavras:
"Aprofundar o meu conceito de democracia, que me fez sair de um socialismo um tanto ingênuo e penetrar na social-democracia. O outro sentido foi o de verificar o quanto amo este país. E o terceiro, foi aprender o significado real da palavra saudade..."
Nunca haverá quem preencha o vazio que ele  deixou em minha vida. Guardarei na memória seu constante  incentivo  às minhas letras, sua  generosidade e suas ponderações, que sempre  me serviram como  verdadeiras diretrizes  de segurança.
  Que  sons  sublimes acompanhem seu  vôo, juntando-se  às  amorosas vibrações de todos os que mereceram a amizade, a atenção e a confiança desse ser humano ímpar.
  Quisera poder, como o personagem Marcos, do conto O homem e as flores, derramar lágrimas perfumadas para o meu  querido amigo que se foi.

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Artur da Távola, o pseudônimo de Paulo Alberto Moretzsonh Monteiro de Barros, (Rio de Janeiro, 3 de janeiro de 1936 — Rio de Janeiro, 9 de maio de 2008) foi um advogado, jornalista, radialista, escritor, professor e político brasileiro.
Iniciou sua vida política em 1960, no PTN, pelo estado da Guanabara. Dois anos depois, elegeu-se deputado constituinte pelo PTB. Cassado pela ditadura militar, viveu na Bolívia e no Chile entre 1964 e 1968. Tornou-se um dos fundadores do PSDB e o líder da bancada tucana na assembléia constituinte de 1988, quando defendeu alterações nas concessões de emissoras de televisão para permitir que fossem criados canais vinculados à sociedade civil. No mesmo ano, concorreu, sem sucesso, à prefeitura do Rio de Janeiro. Posteriormente, foi presidente do PSDB entre 1995 e 1997. Exerceu mandatos de deputado federal de 1987 a 1995 e senador de 1995 a 2003. Em 2001, foi por nove meses secretário da Cultura na cidade do Rio.
Como jornalista, atuou como redator e editor em diversas revistas, notavelmente na Bloch Editores e foi colunista de televisão nos jornais Última Hora[2], O Globo e O Dia, sendo também diretor da Rádio Roquette Pinto. Publicou ao todo 23 livros de contos e crônicas.
Távola apresentava o programa Quem tem medo de música clássica?, na TV Senado onde demonstrava sua profunda paixão e conhecimento por música clássica e erudita. No encerramento de cada programa, ele marcou seus telespectadores com uma de suas mais célebres frases:
Música é vida interior, e quem tem vida interior jamais padecerá de solidão.
Seu compositor preferido era Vivaldi, a quem dedicou quatro programas especiais apresentando Le quattro stagioni em sua versão completa e executada pela Orquestra Filarmônica de Berlim. Também exibiu com exclusividade execuções da Orquestra Sinfônica Brasileira no Festival de Gramado nos anos de 2003 a 2007. Era apresentador de um programa sobre música na Rádio MEC.

Um comentário:

  1. Bom trazer nosso sempre querido Artur, principalmente para que as novas gerações conheçam esse exemplo de homem público.
    Grata por ajudar a manter viva a memória desse ser especial e insubstituível.
    Bjs
    Belvedere

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