quarta-feira, outubro 06, 2010

Belvedere Bruno entrevista Ricardo Augusto dos Anjos




[Neto de Augusto dos Anjos]

Quando o conheci, Ricardo Augusto dos Anjos morava na Vila Pereira Carneiro, em Niterói/RJ. Nessa vila, nasci e vivi boa parte da infância e adolescência. O lugar ainda conserva seu bucolismo, que nos traz inspiração e nos remete à poesia. Anos depois, reencontrei Ricardo pelos caminhos do jornal Lig. Quis o destino que ele buscasse outros rumos e, atualmente, os ares serranos e a calmaria fazem parte do seu cotidiano. E nessa troca de idéias, cresço, ao mesmo tempo que me encanto com a sua generosidade.


Belvedere Bruno: Pode descrever seu primeiro instante poético?

Ricardo dos Anjos - Adolescente, achava-me apaixonadíssimo, e cheio de compaixão, não sabia bem por quem, e então idealizei, inventei uma namorada de condição humilde e a nomeei Aline, um nome que pra mim soava delicado, pianíssimo. E cometi um poema em homenagem a ela, virtual. Hoje, na modernidade, o virtual está lá longe, do outro lado do mundo ou do seu próprio mundo, mas sentado à frente de um computador... e o amor chega pelas fibras ópticas.



BB: Ainda se lembra do poema?

RA: Ora, como não? Ei-lo: “Aline surgiu entre os humildes que entoavam uma canção/
Olhos ternos e tensos multiplicavam-se na tarde/Não se distinguiam as crianças dos criminosos na diluição ébria da taberna/Aline de cabelos longos/Sugeria uma flor à beira do abismo”.



BB: Como elabora seus poemas?

RA: Não sou poeta profissional, confio muito na inspiração. Alguma transpiração. Sou um poeta passional. Logo, mais retina interior que rotina exterior. Construção? Trabalho com ruínas emocionais, parto da desconstrução para a construção, que posso chamar de discurso analítico. Sem sigilo, pois a vida não é um crime perfeito, como diria Cláudio Mello e Souza, outro poeta, vivo, que admiro.



BB: No início, teve influência de algum poeta?

RA: Quem faz poesia sempre tem, sofre influências. Li muito Fernando Pessoa, Augusto Frederico Schmidt, Vinícius, Traduções de Walt Whitman, e poetas “femininos” como Hilda Hilst, Marly de Oliveira e Cecília Meireles, Florbela Espanca. E me tornei poeta lírico. Mais tarde, curti os poetas neoconcretos do Suplemento Dominical do Jornal do Brasil, tendo ensaiado alguns poemas do gênero, procurando uma contenção verbal. Logo após, voltei ao discursivo, porém mais contido.



BB: Qual o papel do poema dentro da realidade em que vivemos?

RA: Ultimamente, a realidade em que vivemos é que está dentro dos poemas. O poeta hoje não pode nem deve se esquivar do atual contexto, simplesmente porque faz parte dele. Aquele poeta nefelibata não mais existe ou não deveria.



BB: Os livros de poemas estão em baixa?

RA: Sei lá! Só sei que o público que compra poesia é restrito e peculiar. E quem gosta de ler, muitas vezes não tem poder aquisitivo para tal, e recorre às bibliotecas. Saber se os livros de poesia estão em baixa ou em alta é trabalho para os ibopes da vida.



BB: Qual sua opinião sobre a comercialização de poemas em CD e DVD?

RA: Estamos no século XXI. Temos a tecnologia audiovisual ao nosso alcance. Quem pode, aproveite e edite, grave, sem culpa de que assim o livro vá morrer. O livro não morrerá tão cedo porque Gutenberg ainda não morreu.



BB: Já experimentou a falada "secura de letras"?

RA: Claro, qual poeta não experimentou bloqueio criativo? Não sou máquina de produzir livros como o Paulo Coelho. Não sou escritor profissional. Sou um poeta bissexto. De mais a mais, uma pausa sempre refresca a mente que, nesse interregno, deve absorver o mundo em movimento e tentar expressar algo novo que possa contribuir para o fim da mesmice.



BB: Nos últimos anos observou alguma inovação poética em nosso país?

RA: Voto no meu amigo Marcus Accioly, pernambucano, de quem João Cabral de Mello Neto disse ser “um poeta de primeira categoria”. Drummond também reconheceu em Marcus “uma poesia tão rica e universal”. Suas obras Nordestinados, Sísifo, Narciso e outras fazem dele um dos mais criativos e fascinantes poetas da atualidade. “Érato”, por exemplo, é uma reunião de poemas com temática erótico-amorosa, composto de sonetos, muitos completados com um “soneto invertido” (à semelhança do que acontece em Narciso). Além dos 69 poemas, há ainda uma Ode ao Vinho, composta em variados metros e estrofes. Como em Nordestinados, há um poema para cada letra do título completo do livro (Érato: 69 poemas eróticos e uma ode ao vinho).



BB: Para que serve o poema?

RA: Serve para repassar aos leitores os sentimentos, a capacidade criativa do poeta no trato com as palavras.



BB: Cite alguns poetas que tenham te impressionado.

RA: Impressionado positivamente elenco meu avô Augusto dos Anjos, Esra Pound, T.S.Elliot, e aqueles que citei e dos quais recebi alguma influência.



BB: O que existe de pior num poema?

RA: É muito subjetivo. O que é pior pra mim talvez seja melhor para você, e vice-versa. Gosto não se discute. Quem discute são os críticos. E na comunidade literária eles têm poder, na mídia, de descobrir, erguer e derrubar um poeta, um romancista, um cronista, um contista, um ensaísta, e até mesmo um crítico igual a eles.



BB: Hoje em dia muitos se dizem poetas. O que é ser poeta, afinal?

RA: Como diz Fernando Pessoa, “O poeta é um fingidor. Finge tão completamente que chega a fingir que é dor a dor que deveras sente”. E muitos que se julgam poetas também são fingidores, mas no pior sentido. São enganadores, uma fraude. Fingem que são poetas, porém não são poetas deveras. Cabe aos leitores e críticos desmascará-los.



BB: Algum recado para os leitores?

RA: Leitor é aquele que lê. Então leiam, nas linhas e nas entrelinhas; examinem tudo o que for possível em matéria de literatura disponível, e retenham o bem, ou um bem... Relativo ou absoluto.


Ricardo Augusto dos Anjos, 71 anos, é poeta, jornalista e redator de publicidade. Natural de Niterói, hoje radicado em Teresópolis.
[Belvedere Bruno é escritora, jornalista e articulista de Literacia ]
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